Durante esses últimos dias muita coisa aconteceu no mundo. Tivemos fatos muito tristes como a perda de Paulo Gustavo, a chacina no Jacarezinho (Rio de Janeiro) e o ataque brutal e incompreensível em Saudade (Santa Catarina).
Esse fatos, somados ao terrível momento que vivemos, tornam nossa jornada muito mais dura e entristece os nossos dias, fazendo do choro, ainda que silencioso e sem lágrimas, uma presença diária em nossa face e nossos corações.
Mas a história também mostra que é por intermédio de tragédias (e na verdade não simples fatos) como essas que muitas vezes mudanças importantes acontecem. Elas normalmente começam com a nossa indignação e acendem uma chama muito forte que pode – e deve – nos levar a ação.
Essas ações podem começar pequenas, refletindo atitudes do nosso dia a dia. Mas elas também podem tomar corpo e provocar uniões jamais pensadas e mudanças globais.
O caso Jorge Floyd, por exemplo, uniu pessoas em todo mundo e por meio de ações importantes promoveu um passo fundamental na luta pelos direitos dos negros, não só nos EUA mas também em todo o mundo.
A pandemia do COVID-19 provoca perdas que não podem ser apagadas e esquecidas, com feridas que certamente cicatrizarão, mas suas marcas serão indeléveis nas milhares de famílias que perderam seus entes queridos.
De outro lado, vimos uma corrida global pela cura como jamais visto. Empresas ao redor do mundo, contatando pesquisadores dos mais diferentes países, trabalhando diuturnamente para encontrar uma cura para a COVID-19.
A cura ainda não foi encontrada, mas a melhor forma de evitar mortes (além das medidas preconizadas pelo OMC e adotadas por governos ao redor do globo) já está disponível, e responde pelo nome de Vacina. Já temos mais de uma opção: são várias já aprovadas ao redor do mundo e tantas outras ainda em fases promissoras.
Alguns governos, como o brasileiro, tardaram a negociar a compra de vacinas e isso contribui e muito para que tantas vidas sejam perdidas, pois a ciência comprovou a eficácia na diminuição da gravidade do contágio, e consequente morte, quando estamos vacinados – a despeito de crenças em sentido contrário e que não encontram, até hoje, suporte científico seguro.
A despeito do aspecto político e da possível responsabilização (ou não) do governo brasileiro no enfrentamento da pandemia, que pode ser alcançada com os trabalhos da CPI da COVID que tramita no Senado Federal, há no mundo uma outra questão importante, que envolve o acesso às vacinas já produzidas pelos grandes laboratórios e a recente posição dos EUA revelado pelo seu Presidente Joe Biden.
Mudando completamente o discurso os EUA que já possui mais vacinas do que a quantidade de sua população total (e já sinalizam a possibilidade de vacinar abertamente turistas – o que tem alvo de algumas críticas), apoio a resolução apresentada por diversos países na Organização Mundial do Comércio, que pretende autorizar a quebra de patentes envolvendo de medicamentos e insumos relacionados com o enfrentamento da COVID-19.
Na verdade, já existe no Brasil a licença compulsória, popularmente conhecida como quebra de patentes e que prevê, em linhas gerais, que os direitos de exploração de uma patente possam ser transferidos, temporariamente, para uma outra empresa (ou explorados pelo próprio governo), sem que haja autorização do seu titular.
A legislação brasileira prevê as hipóteses em que pode ocorrer essa “quebra” (seguindo o TRIPS (Acordo sobre Aspectos dos Direitos da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio), e entre elas está os casos de interesse público assim declarado pelo poder público, que é justamente o que ocorreu no caso da COVID-19, cuja portaria foi assinada pelo então Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta.
O Brasil já usou esse mecanismo no passado, para enfrentamento da AIDS. No entanto, muito se tem discutido se a quebra é o melhor caminho ou se a negociação com os titulares deve ser a melhor estratégia.
Nesse discussão, muita coisa entra em jogo, afinal de contas não é tão simples reproduzir o que está na patente, já que em muitos casos é fundamental, além de possuir o parque tecnológico necessária para a produção, ter o conhecimento do “como fazer”, que não está escrito na patente – que aliás não é uma receita de bolo. Para isso, será necessário transferência de tecnologia ou verdadeiro treinamento e isso não se obriga, é preciso negociar.
Aliás, esse é outro ponto importante que diferencia a licença compulsória e o que parece estar em jogo na Organização Mundial do Comércio – OMC.
Enquanto a licença compulsória que está prevista no TRIPS e na legislação brasileira inclui uma remuneração para o titular da patente, a proposta que está em jogo na OMC é uma renúncia ao direito de patente, que não prevê qualquer remuneração para os titulares. Pelo texto original sugerido para discussões (e ainda objeto de muito debate e questionamentos) haveria prazo de renúncia e revisão anual sobre a necessidade de manutenção ou revogação.
Caso a proposta seja aprovada na OMC – que exige uma decisão unânime de todos os países participantes – em tese as indústrias farmacêuticas não poderão se opor a fabricação de vacinas em outros países, mesmo que essas sejam cópias fiéis de suas patentes.
A discussão parece estar longe de ser encerrada – e enquanto isso a pandemia caminha em passos largos, ceifando vidas aos milhares, diariamente. A questão que fica é: será que a quebra ou a renúncia seriam os mecanismos mais eficientes e rápidos para enfrentar a pandemia?